Tinha 25 anos e uma vontade louca de dividir seus dias com um homem que lhe oferecesse afabilidade, companheirismo e amor.
A jovem era a quarta filha entre cinco irmãos.
Embora fosse uma mulher loira, com cabelos longos e encaracolados, olhos claros e estatura mediana, não dispunha de graça.
Mesmo com tantos atributos, não era angelical; apenas não era feia.
Gostava de assistir a telenovelas e ficava tão entusiasmada com o ficcional, a ponto de se imaginar na personagem.
Ao terminar o capítulo, aguardava ansiosamente o próximo.
Nas conversas entre espectadoras, a jovem argumentava de forma tão desmedida a trama; torcia pela mocinha com imensa devoção, levando o ouvinte a confundir ficção e realidade.
A conversa só aumentava a obstinação de Alzira em encontrar um amor tão intenso quanto os amores que vivenciava na ficção.
Investia nas conversas sobre os rapazes da vila; sabia que precisava se apressar.
Muitos haviam saído a fim de alçar voos longe daquele lugar onde os jovens não teriam outro futuro que não a lavoura.
Numa tarde modorrenta, a moça visitou uma das poucas amigas que cultivava; e foi ali, na porta da casa alheia, que surgiu um homem alto, forte, com cabelos e barba ruivos.
Aparentava pouco mais de 35 anos. Junto dele, um menino, seu filho mais velho.
O homem e a mulher fitaram-se com certo interesse.
Rapidamente o homem caiu em si e lembrou que fora deixar uma encomenda.
Pegou o menino pelo braço e despediu-se com voz firme, dando uma olhadela em direção a Alzira.
— Ele é viúvo recente.
O infeliz achou-se com sete filhos, entre eles um bebê.
Vivem do leite e dos bois que abatem.
A esposa suicidou-se, sofria de forte depressão; dizem que tentou contra a própria vida inúmeras vezes, até que conseguiu — resmungou a amiga observando o interesse de Alzira.
— Coitado… Deve sofrer pela falta da esposa… Sozinho para cuidar da casa e dos filhos… Logo se vê que é bom homem…
Um misto de compaixão e deslumbre invadiu a jovem.
Mal podia conter a vontade de reencontrar o tal viúvo, o que não demorou muito.
Foram meses de encontros às escondidas.
Seus pais não aceitavam a situação em que vivia o pretendente.
— Um viúvo com sete filhos! Você é nova, minha filha, não precisa passar por isso.
Deus há de trazer um rapaz digno para você! — aconselhava a mãe da jovem.
Alzira contrariou a família e foi dividir a vida e os sonhos com o homem que idealizara.
Ao chegar à nova casa, deparou-se com a prole e logo entendeu que seu dever era ajudar na criação dos pequenos e nos afazeres da casa.
Em uma noite, após o coito, o homem fitou a jovem e, mostrando-se decepcionado, não hesitou em pegá-la pelos cabelos e dar-lhe duas bofetadas no rosto.
Alzira ficou ofegante e com os olhos fixos no homem.
E ele, ainda exaltado, apontou o dedo indicador no rosto da mulher e gritou:
— Você achou que iria me enganar?! Eu sempre soube que já havia se dado ao desfrute com outro! Eu não fui o único, vadia! O homem saiu do quarto e Alzira correu para a cama.
Numa posição uterina, abraçou o travesseiro e, mordendo-o, abafou o choro e os gritos.
Tinha preocupação em não acordar as crianças.
Ali ficou por algum tempo, até que seus olhos anestesiaram-se com as lágrimas…
— A culpa é minha… Não contei a ele sobre meu amor na adolescência… Ele se sentiu enganado…
Levantou-se da cama e foi ter com o marido.
O homem ainda não estava convencido, mas aceitou o pedido da jovem e foram dormir em seus aposentos.
Passaram-se anos e Alzira acostumara-se a viver numa família que era sua pela metade; afinal, era mãe dos filhos de outrem.
Não engravidou: o marido falara que já eram muitos para comer e viver naquela casa.
Então Alzira, na obsessão de ser mãe, mendigava o amor das crianças com quem convivia.
Os maiores criavam as mais absurdas histórias de traições realizadas por Alzira, razão de ela receber muitas surras do carrasco.
A jovem se refugiava na casa da amiga com frequência.
Passava a noite
lamuriando-se, mas aos poucos seu discurso enfraquecia.
Então criava uma história romântica para desculpar a atitude do marido e se convencia de que o melhor era voltar para junto dele.
Após uma das inúmeras discussões com o ex-viúvo, Alzira não teve a mesma agilidade em refugiar-se na casa de amigos ou vizinhos. Apanhou muito.
Durante as agressões, o homem dizia que era por ciúmes, pois tinha visto a troca de olhares da esposa com o atendente da mercearia… Em meio a tapas, chutes e puxões de cabelo, a mulher se defendia dizendo que era loucura, que não havia sequer olhado para o homem… Naquela manhã, Alzira apanhou até seu marido cansar de bater.
Ao perceber a trégua dos golpes, fugiu do agressor.
Correu o mais rápido que pôde e além do que a dor permitia.
Apoiada em um dos braços, sentou-se à beira de um córrego.
Mal podia conter a dor que sentia; sobretudo, a dor na alma.
Fora violada tantas vezes… E agora se via encurralada como um animal escorraçado.
Passou suavemente a mão no rosto; sentiu o sangue escorrer do lábio e se virou para a água a fim de se limpar e trazer para si um resquício de dignidade.
Ao ver seu reflexo na água, assustou-se com as marcas que o agressor deixara em seu rosto.
Foi então que Alzira percebeu sua fragilidade e, pela primeira vez, teve misericórdia da pessoa que se tornara.
Naquele momento, entendeu que não dispunha mais de identidade; sua vida fora dominada por um tirano. — Apanhei por amor? Mas, afinal, o que é o amor? Como pode o amor ser um sentimento tão nobre, se trouxe apenas desgraça à minha vida? — Alzira gritava com toda sua força.
Seus gritos ecoavam no espaço… De repente silenciou, envolveu-se num mutismo profundo.
Permaneceu ali por horas, desejando paralisar o tempo até que pudesse encontrar todas as respostas para sua vida.
Ainda olhando sua imagem refletida na água, em soluços, limpava o sangue que insistia em escorrer de sua boca.
A escritora transcreve nesse conto um pouco o que é a vida de muitas Alziras, trazendo nas gravuras o mundo preso dentro de cada uma dessas personagens que se identificam com o conto.
Autora: Tânia Graciele Belo